O processo de
modernização da agricultura brasileira - conservador, parcial, excludente e
ecologicamente insustentável - acelerou a exclusão social e a degradação
ambiental no campo maranhense. Este processo é caracterizado pela apropriação
fraudulenta da terra, êxodo rural e violentos conflitos sociais no campo. A
reprimarização da economia, que privilegia a produção de commodities agrícolas
e minerais para o mercado externo tem consequências mortais para o campesinato
maranhense, que se materializam no aumento exponencial da violência
(assassinatos, ameaças de morte, despejos forçados), êxodo rural, desemprego e
trabalho escravo.
Em 2013, o Maranhão se
manteve na dianteira nacional em conflitos agrários. O quadro deste drama
social pode ser representado pelos 3 assassinatos, ocorridos no P.A Capoema
(Bom Jesus das Selvas), P.A Sit ( Santa Luzia) e P.A Santa Maria II (
Satubinha), o crescente número de ameaçados de morte, incluindo vários
dirigentes sindicais, prisão ilegal de trabalhador rural, na comunidade
Livramento (Codó), forte atuação de milícias armadas em Santa Maria dos
Moreiras (Codó), Cipó Cortado (João Lisboa), Arame e Campo do Bandeira (Alto
Alegre do Maranhão), Tiúba (Chapadinha) e de pistoleiros, em Baturité
(Chapadinha), Vergel (Codó), Quilombo São Pedro (São Luís Gonzaga), Quilombos
Salgado e Pontes (Pirapemas), Vilela (Junco do Maranhão).
Verificou-se também a
ação direta de agentes públicos atuando como verdadeiros jagunços, atormentando
a paz e tranquilidade de várias comunidades maranhenses. Podemos destacar
policiais militares de Codó, comandados pelo oficial Moura, que realizaram
prisão e intimidações em comunidades tradicionais, a delegacia de Polícia Civil
e policiais militares de Boa Vista do Gurupi, que realizam serviços para o grileiro
de terras Nestor Osvaldo Finger, fatos estes oficiados à Delegacia Geral de
Polícia Civil, em maio de 2013, por meio do Ofício Fetaema 99/2013, que não
tomou nenhuma providência a fim de apurar as ilicitudes. Na comunidade Engenho,
em São José de Ribamar, a tropa de choque da PM e jagunços, sob os comandos do
secretário de estado Alberto Franco, despejaram e destruíram, sem ordem
judicial, várias linhas de roças de centenas de famílias de pequenos
agricultores.
A impunidade também foi
cenário dos conflitos agrários em 2013, com especial destaque para a comunidade
Vergel, em Codó, onde dois indiciados foram absolvidos pela prática de
tentativa de homicídio contra lavradores e que até hoje, nunca foi instaurado
inquérito policial para apurar a morte do lavrador Alfredo, ocorrida em agosto
de 2007, fato este levado ao Ministério Público Estadual e Polícia Civil e no
P.A Maracumé-Mesbla, onde uma liderança dos trabalhadores do campo sofreu três
tentativas de homicídio, sem que até hoje tenha ocorrido julgamento. Talvez o
fato mais grave que ocorreu em 2013, no que tange à impunidade, foi a decisão
do magistrado Alexandre Lima, da Comarca de São João Batista, que, sem
fundamento no direito brasileiro, remeteu o processo criminal que trata do
brutal assassinato do líder quilombola da Comunidade Charco ,Flaviano Pinto
Neto, para a justiça federal.
Também, várias foram as
decisões provenientes do Poder Judiciário do Maranhão, determinando a expulsão
de centenas de famílias de trabalhadores rurais de suas terras, repetindo um
padrão histórico de violência contra o campesinato maranhense, com destaque
para as liminares expedidas pelas Comarcas de São Mateus, que determinou o
despejo de 3 comunidades de Alto Alegre ( Boa Hora, Arame e Campo do Bandeira),
Pinheiro, que determinou duas em Pedro do Rosário (Imbiral e Boa Esperança),
Senador La Rocque, que determinou vários despejos em Cipó Cortado, Codó, que
concedeu 5 liminares contra as comunidades Três Irmãos, Santa Maria dos
Moreiras e Livramento, Chapadinha, que concedeu 2 liminares contra
trabalhadores de Baturite e Capão (Buriti de Inácia Vaz), além do juiz da Comarca de Bequimão, que
determinou o despejo da comunidade quilombola Sibéira. Ademais, o próprio
Tribunal de Justiça do Maranhão solapou direitos de comunidades tradicionais,
em decisões que desterraram trabalhadores de Santa Maria dos Moreiras e Buriti
Corrente, ambas em Codó.
Em dezembro, foi
determinado pela Justiça de São Bento o despejo compulsório de 45 lavradores
assentados da reforma agrária no P.A Dibom 1, em Palmerândia, que foi suspenso
pelo desembargador Velten Pereira, após recurso de agravo de instrumento
interposto pelas famílias.
Por oportuno, os
governos federais e estaduais praticam verdadeira contrarreforma agrária, na
marra. Até hoje, nenhum decreto presidencial que declara área de interesse
social para fins de reforma agrária foi emitido para beneficiar áreas no Estado
do Maranhão, apesar das centenas de processos administrativos represados no
INCRA. Em relação às comunidades quilombolas, apesar das inúmeras violências
praticadas contra este grupo étnico, os procedimentos de titulação se encontram
paralisados, ao passo que o agronegócio avança sobre os territórios
tradicionais.
Quanto ao Estado do
Maranhão, seu órgão de terras é completamente desaparelhado, com forte
limitação de recursos humanos e técnicos, o que reflete a posição histórica dos
governos estaduais, em promover o agrobusiness, em detrimento da agricultura
familiar. Em decorrência desta morosidade histórica, 2 igrejas foram derrubadas
(Tiúba e Vergel), 40 casas derrubadas (Arame, Campo do Bandeira, Tiúba, Santa
Quitéria, Vergel), centenas de hectares de roças destruídos e duas residências
explodidas por dinamites, na comunidade Santa Rosa, em Urbano Santos.
Aos camponeses
maranhenses, num processo de autoconsciência, somente cabe desafiar a ordem
imposta pelo latifúndio escravocrata que persiste em querer ditar as relações
sociais e de produção a ferro e fogo.
*Diogo Cabral- assessor
jurídico da CPT/MA e da FETAEMA