terça-feira, 22 de outubro de 2024

DESCRIMINALIZAÇÃO DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS

A Lei de Drogas (11.343) foi debatida, votada no parlamento e sancionada em 2006, no último ano do governo Lula. Desde então, são quase 18 anos de vigência desta lei. Contudo, os operadores do direito (advogados, defensores e juízes, entre outros) sempre reclamaram da redação do artigo 28, dispositivo que trata dos verbos “comprar”, “guardar” e “portar” drogas para uso pessoal, com fixação de pena. Dificuldades como diferenciar este usuário de traficante; definir se o consumo pessoal deve ser interpretado de forma restritiva (referindo-se a uma única pessoa e uma única dose); e a vaguidade do próprio texto legal do artigo 28 dificultavam a aplicação consistente da lei.

Em 2011, o tema chegou à pauta do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário nº 635.659, numa ação da Defensoria Pública de São Paulo. Tratava-se do caso específico de um homem flagrado com 3 gramas de maconha, que foi condenado a 2 meses de prestação de serviços comunitários. Para a Defensoria Pública, essa punição feria o direito à liberdade e à privacidade. No entanto, somente em 2015 começou o julgamento da análise de constitucionalidade do artigo 28 da lei, tendo como relator o decano ministro Gilmar Mendes, que cravou a inconstitucionalidade do dispositivo. Além disso, o caso é individual, mas tem “repercussão geral”, o que significa que o julgamento estabeleceu um parâmetro para todo o Judiciário nos processos que tratam da mesma questão.

Nos dias 25 e 26/06/2024, a maioria dos ministros firmou o entendimento de que o porte da substância é uma infração administrativa, e não penal. Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso, pela inconstitucionalidade do citado artigo. Ele foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia. Todos votaram por descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e estabelecer a quantidade de 40 gramas da substância para diferenciar usuários de traficantes. O ministro Dias Toffoli votou pela descriminalização, mas considerando constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, sendo acompanhado pelo ministro Luiz Fux.

Conforme o entendimento do STF durante o julgamento, o porte de maconha para uso pessoal já estava despenalizado no Brasil desde 2006, quando foi promulgada a Lei de Drogas. Despenalizar significa substituir a pena de prisão por punições de outra natureza, ainda dentro da esfera criminal. O usuário, por exemplo, é advertido sobre os efeitos do uso da maconha, além de ser obrigado a prestar serviços comunitários e participar de programas educativos. Com esse julgamento atual, o STF não legalizou o uso da droga (maconha), apenas a descriminalizou, retirando-a do âmbito penal e enviando-a para a seara administrativa, subtraindo o inciso II do artigo 28 da Lei de Drogas, que aplica a sanção de prestação de serviços à comunidade. De acordo com a corte, essa é uma pena corporal, portanto, de natureza penal.

O STF analisou o caso individual, mas decidiu ir além e adotar a chamada “repercussão geral”. Isso significa que o julgamento fixou uma tese, estabelecendo um parâmetro para todo o Judiciário em processos que tratam da mesma questão. Com essa decisão, o Supremo, pela primeira vez, estabeleceu limites e adequou a Lei de Drogas à Constituição brasileira, segundo especialistas entrevistados pela imprensa sobre o tema. Para eles, por quase duas décadas, juízes e autoridades policiais foram incumbidos de decidir se o cidadão flagrado com maconha, o indivíduo responderia por tráfico ou não com base em subjetividades, o que viola a Carta Magna.

Além disso, procurou-se trazer a opinião de estudiosos do direito, disseminada nas páginas digitais dos mais diversos informativos tupiniquins. A demora e o desinteresse do Congresso desmontam a tese de que o Supremo está usurpando sua competência. Durante o julgamento, o ministro André Mendonça mencionou essa questão, mas foi rebatido nos seguintes termos: ‘O STF está cumprindo sua função de zelar pela Constituição, que, aliás, foi promulgada pelo próprio Legislativo’, afirma Marcelo Semer.

Originalmente, o alemão Rudolf Von Ihering, em 1872, em uma famosa conferência em Viena, “A luta pelo direito”, apontou para o que hoje é conhecido como o princípio da inércia. Segundo ele:

“Cabe a qualquer homem um dever para consigo mesmo: o de repelir com todos os meios ao seu alcance qualquer agressão a um direito investido em sua pessoa. Com a passividade diante da agressão, estará ele admitindo um momento de ausência de direitos em sua vida. E ninguém há de cooperar para que isso aconteça”.

            E mais modernamente com esse princípio já consolidado no direito comparado, o sistema de justiça brasileiro os adota, a exemplo do art. 2º do Código de processo Civil – CPC de 2015, e já adotara no CPC pretérito de 1973, senão vejamos: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial,” de sorte, que é em observância ao princípio da inércia da jurisdição, de Rudolf Von Ihering, profetizado nos idos da segunda metade do século XIX.

Em resumo, Pedro Serrano afirma: ‘O Supremo está dentro do papel dele. Não faz sentido existir o STF se não for para defender os direitos fundamentais em situações como essa’. Ele explica ainda que, ao praticar uma conduta, é necessário prever a reação do sistema penal. A falta de clareza sobre a quantidade de porte de maconha que caracteriza tráfico prejudica a previsibilidade e deixa essa decisão a cargo da polícia. Isso é incompatível com quem aplica a lei. Portanto, o Supremo deve estipular uma quantidade para que a cidadania saiba o que pode ou não fazer.

Respeitando todas as opiniões, os princípios do estado democrático de direito, a separação dos poderes e o princípio da inércia, segundo o qual a jurisdição deve ser provocada pelas partes interessadas, não cabe ao Poder Judiciário a iniciativa da ação. Assim, no presente julgado, não há motivo para falar em invasão de competência do parlamento pela Suprema Corte.

Reginaldo Veríssimo